31 de outubro: Dia das Bruxas ou do Saci Pererê?
Foto: Ilustração de Costa de Souza/costadesouza.com
*por Sidney Nicéas
Cada macaco no seu galho, eita popular sabedoria! Ouvia isso da minha avó Vevé e achava curioso: existia macaco com galho? Eu, pirralho, cheio de imaginação na telha, vendo chifre em cabeça de rato, hoje com experiência somada fico achando galho aqui e acolá (não na minha cabeça, eu acho). Pensar no halloween, ou Dia das Bruxas, me faz acreditar nisso. Na terra de tantas lendas e mitos, importar bruxa é um galho estranho. Nada contra, juro. Mas é uma coisa um pouquinho feito Ariano Suassuna, que não trocava seu oxente pelo ok de ninguém. Em terra de Saci, quem tem duas pernas é rei! Só que não.
Esse embate entre o Saci e as bruxas vem rendendo pauta no Brasil. Em 2003 e 2017 houve tentativas (malsucedidas) no Congresso nacional de oficializar o dia 31 de outubro como Dia do Saci, para forçar uma maior atenção para nossas raízes em detrimento do ‘americanismo’ do halloween (alguns estados até conseguiram transformar isso em lei). Para muitos, coisa importante. Para outros, não se força uma celebração por decreto sob risco de perder o que faz um mito sobre-existir, a espontaneidade.
O interessante nisso tudo, todavia, é perceber que nem o nosso Saci é tão brasileiríssimo assim, nem as bruxas tão estadunidenses como muitos creem: se a tradição americana nasceu de festejos celtas, escoceses e gaélicos, o Saci possui várias versões de sua história e carrega uma mistura complexa de influências, que passam pelos índios, africanos, gregos e até árabes. As bruxas voaram até os EUA, mas se espalharam também por alguns países europeus, influenciando e sofrendo influências de outras culturas e mitologias, como na Espanha e em Portugal (no Norte); já o Saci pulou para outros países sul-americanos, como Argentina, Paraguai e Uruguai, por exemplo, também sofrendo (ou ganhando) outras influências conforme as culturas desses países.
Claro que o Saci tem nosso DNA. As bruxas não. Se as escolas de língua inglesa colaboraram decisivamente para que o Dia das Bruxas fosse botando as vassouras aqui pra dentro, foi Monteiro Lobato quem popularizou o Saci (ou ampliou a sua popularidade) incluindo uma das suas versões mais interessantes no Sítio do Pica-pau Amarelo. O problema é que andamos vendo mais bruxas voando do que Saci pulando em uma perna só. O brasileiro adora importar novidades e soterrar suas raízes (eita!). Que se brinque com fantasias de terror, mas que não se esqueça dos mitos e lendas do nosso folclore – aliás, se fantasiar de Saci no halloween é uma ideia em tanto! (tá, pode copiar, eu deixo)
Não é questão de purismo. Ainda que precisemos (e precisamos mesmo!) compreender o hoje com um globo mais redondo, culturas com mais interseções, linguagens ainda mais vivas e mutantes, não podemos perder o foco numa maior valorização de tudo aquilo o que nos finca neste solo do qual brotamos. Diferente do já citado Ariano, não vejo nenhum problema no ok (sim, ele abominava quaisquer estrangeirismos), mas tô 100% com ele no oxente. É só uma questão de berço.
Para mim, nem precisa de decreto: sou mais o Saci. E não tenho nada contra as bruxas, repito. Dia desses até vi uma bruxa pulando numa perna só. E um Saci voando numa vassoura... Juro!
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*Ilustração de Costa de Souza: costadesouza.com
Sidney Nicéas é escritor e tem cinco obras publicadas. Colunista de Literatura das Rádios CBN e Transamérica CNN, preside a Ideação, co-realizadora da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. É sócio-fundador da UBE Olinda (PE). Prepara dois romances para breve, um biográfico e outro de ficção. Também é Relações Públicas com MBA em Gestão de Pessoas, Pós-Graduando em Escrita Criativa e titular da própria assessoria de comunicação, a Sidney Nicéas Comunicação Integrada. Ministra oficinas e workshops de criatividade e escrita e ainda integra os projetos sociais Sertânia Sem Fome e Mundo do Lua, além de promover diversas ações que visam a inclusão social pela Literatura.
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