Carregando
Recife Ao Vivo

CBN Recife

00:00
00:00
Opinião

Georgia Alves: a musicalidade de Cida Pedrosa no algodoal

Por: SIDNEY NICÉAS
A escritora e cineasta Georgia Alves passa por Homero e Aristóteles para tentar decifrar o premiado Solo para Vialejo, de Cida Pedrosa

Foto: Divulgação/Arte de Hélvio Polito

15/12/2020
    Compartilhe:

*por Geórgia Alves

Blue jeans. Blues Band Bodocó. O livro “Solo para Vialejo”, editado pela CEPE, Companhia Editora de Pernambuco, de Cida Pedrosa, não ganhou apenas o prêmio Jabuti na categoria Poesia, já contamos isso aqui antes. Foi escolhido como livro do ano do prêmio, considerado o mais distribuído em gêneros literários e realidades do Mercado Editorial e de Distribuição do produto Livro. Cida é Poeta faz tempo. Este é seu oitavo livro. Dos demais há dois com o prêmio Oceanos de Literatura: As filhas de Lilith (2009) e Claranã (2015).

Apesar deste lead trazer informações objetivas, não é o que me motiva voltar a falar sobre a obra. “Solo para vialejo”, de fato, me paralisou. E depois de trazê-lo para casa, pois estive na noite do lançamento, senti o quanto se trata de um trabalho com a Poesia diferente de tudo que já tive em minhas mãos. A emoção foi tanta “pintei”, sem qualquer ação racional, as páginas do meu recém-adquirido exemplar, o acidental ato de colorir a fibra do papel, livrou apenas capa e contracapa.

O livro azul, restara mergulhado na tonalidade “sépia” do café. Curiosidade que revelo à guisa de nenhum paralelo com o poema que transportei para o cinema, Grace, onde cada mulher de uma geração, da mesma família, começa seu dia ao mesmo modo. Tomando café. Foi absolutamente espontânea a escolha pela nova camada de cor, uma espantosa casualidade. Só não mais me impressionou o fato que a experiência de ir lendo aquele poema épico com tanto movimento. Movimento porque os versos estão cheios de cena e transportam o leitor em várias direções. E ainda, movimento porque é preciso mexer o próprio livro físico em variadas direções para poder ler seus versos.

Vi um depoimento de Cida sobre este aspecto da obra. Disse ela ao entrevistador que foi um livro feito a quatro mãos. O companheiro, Sennor Ramos, também editor, que fez com ela com bonito trabalho no portal Interpoética que reunia autores de A a Z, pernambucanos ou de outros lugares do Nordeste. Ela sonhou cada detalhe deste no livro. E a realização foi possível graficamente, pois Sennor concretizava tal vontade. Depois, sabemos que “Solo para Vialejo” recebeu olhar dedicado por parte de Wellington de Melo que assina texto de apresentação-explicação sobre a obra. Seu gênero literário e o que exigiu dele no primeiro contato no processo de edição. Recupero umas palavras do caro amigo, autor do livro “Felicidade”, a quem, permitam, chamo de Well:

“Solo para Vialejo é um longo poema lírico que possui, ao mesmo tempo, características do poema épico. Para editá-lo foi preciso entrar na jornada empreendida pela autora para encontrar uma forma de expressão que pudesse garantir ao leitor percepção da dupla natureza do poema”.

Mesmo sem conseguir distinguir muito as nuances destes que são os mais primordiais e primitivos gêneros literários, posso compreender que a forma da lírica é inovada. E que também o poema Épico saiu ganhando nesta grande coragem de Cida Pedrosa em espichar as fronteiras de uma narrativa em versos com algumas casualidades, e mesmo trechos onde entrega ao leitor uma espécie de narrativa dentro da narrativa, de modo que a forma do poema se funde a relatos e histórias antigas reproduzidas nas rodas de conversas de sua terra-natal. Bodocó veio dar no litoral e seu inexistente mar desaguar nos mares da poesia brasileira com uma intensidade que somente quem é Sertão pode ter.

Andei lendo por estes dias, novamente, o livro “Poética”, de Aristóteles. Edição bilíngue com tradução de Paulo Pinheiro. Nem lembro se comprei por um antigo desejo manifesto na adolescência de aprender grego. Mas aprender grego justamente sob a quantidade de análises e importantes reflexões sobre o gênero da Poesia, era demais mesmo. O resultado é que sempre que volto ao livro descubro mais e mais minha incapacidade de, de fato, compreendê-lo por inteiro. Tentar eu tento. Conseguir é lento.

Só se dará mesmo é com muito mais tempo do que tenho à minha disposição. Uma coisa que entendi é este modo da Poesia admirada por Aristóteles retornar ao Uno. A ideia já está em Platão e a gente estuda no início da disciplina. Faz parte entender conceitos como Uno, Beleza e Divindade para se estudar Arte. Mesmo que tantos princípios tenham sido revistos daquele período clássico até os dias de hoje. Mas deixando este ponto de lado, o que me chamou atenção é outra característica que Aristóteles enaltece no trabalho de Homero (Odisseiia) e que encontrei no grande poema lírico-épico de Cida.

O fato dos acontecimentos não estarem relacionados por causalidade entre si mesmos. O princípio dos versos se apresentarem a partir de imagens, ou seja, destacando ações, gesto importante do Poeta que Aristóteles reforça se remetendo à superioridade da narrativa homérica, e por fim, da musicalidade da Épica em relação à Tragédia. É claro que, como defensor da segunda forma como a soberana entre todas, compreendo que Aristóteles sentia falta desta musicalidade mais presente entre os poemas épicos. De modo que fica evidente as consistentes justificativas para a escola dos jurados.

--

Geórgia Alves é escritora e jornalista. Pesquisadora e Mestra em Teoria Literária pelo Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Literatura Brasileira, pelo mesmo programa. Há 18 anos estuda a obra de Clarice Lispector e a relação com o Recife. Tem três livros seus: Reflexo dos Górgias (Editora Paés), Filosofia da Sede (Chiado Editora, pela qual também participa de três Antologias de Poesia de Língua Portuguesa). E "A caixa-preta" (pela Editora Viseu). Participa da Coletânea de Contos do CAPA, Recife de Amores e Sombras (2017), "Cronistas de Pernambuco" (2012), da Carpe Diem, e "Mulherio das Letras Portugal" (2020). Assina roteiro e direção dos curta-metragens "Grace", do projeto coletivo "Olhares sobre Lilith", de 26 videospoemas inspirados nos poemas de "As filhas de Lilith", um abecedário de mulheres; e "O Triunfo", que recebeu vários prêmios. No Brasil e Cuba. Segundo afirma, "outros estão porvir". É professora de Arte. Ensina. Estética, História da Arte e Teoria. Orienta outros autores.

https://www.instagram.com/georgia.alves1

https://www.instagram.com/georgialves1

https://www.facebook.com/georgialves

Notícias Relacionadas

Comente com o Facebook