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Literatura

Josessandro Andrade: Mestres do Moxotó - Parte 3

Por: SIDNEY NICÉAS
O poeta sertaniense Josessandro Andrade fecha seu texto profundo sobre os mestres do Moxotó. Nesta última parte, os legados de Waldemar Cordeiro e Alcides Lopes de Siqueira.

Foto: Elias Rodrigues de Oliveira/Patrick Tomasso/Unsplash/Arte Tesão Literário

23/02/2022
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*por Josessandro Andrade

 

O segundo Mestre do Moxotó é Waldemar Cordeiro, “O Gênio do Lirismo”, que tem em sua Siboney sua musa, a quem o poeta Alberto Cunha Melo diz ser “mais uma musa incorporada a mitologia poética do Nordeste”:

 

Glória a ti, Siboney, pela tua formosura

Pelo cheiro de sândalo quando exalas

Pelo som de violino quando falas

Pelos teus lábios de tâmaras maduras.

 

Glória a ti, pela alvura do teu véu

Pelo teu ventre que não deu semente

Pela glória de te ver alegremente

Tantas apoteoses lá no céu

 

Glória a ti, Siboney, noites sem fim,

Vejo discos voadores de outros mundos

O vento abrir no mar sulcos profundos

E a saudade bater no meu jardim

 

Waldemar Cordeiro encabeça uma outra grande família de poetas e escritores do Moxotó, os Freire Santana, como os seu filhos Marcos Cordeiro, com inúmeros livros publicados e premiados; Marcos Ademar e Marcos Antônio (falecido ainda jovem); os primos e parentes Wilson Freire (poeta, compositor, escritor e cineasta); Airton Freire (Padre, poeta e compositor); Antônio Amaral (Poeta, Compositor e cantor, tendo CD gravado); Walter Amaral (Poeta, músico e compositor com músicas gravadas por vários artistas de projeção como Flávio José); Luiz Pinheiro (autor de causos e poemas); Marcelino Freire (Ficcionista de prestígio internacional); e Anthony Freire.

O Lirismo amoroso de Waldemar Cordeiro se espalha em sua poesia em poemas de grande expressão emotiva, como “Ressurreição“, “Tristeza Marinha”, “Eternos Namorados”, que estão no seu poema de amor á Siboney, e em outros como “Seios” e “Corpo”, que vamos encontrar no seu livro “Salão de sombras”. Ou ainda o Lirismo dramático de “Rosa Maria”, poema de feição popular, que narra um feminicídio ocorrido em Sertânia, na década de 70 do século passado, bem como o não menos dramático “Só para os olhos”.  Também conhecido por “Dema do Moxotó”, ele revela ser um poeta lírico também moderno, que incursiona pelos versos brancos, ao gosto bem seu, como no poema “O pântano”:

 

O Pântano adormecera

Hora exata do quebranto

Universal

 

Instante transcendental

Em que os sapos realistas

Ensinam filosofia

 

O sapo-gênio da lama

Vive sempre a olhar para o chão

E morre fitando o céu.

 

A noite está estrelada

As estrelas testificam

A sapiência de Deus

 

No Fundo escuro do Pântano

Vejo estrelas refletidas

Dá vontade de pegá-las.

 

Como chegar às estrelas?

Às verdadeiras estrelas?

Às de primeira grandeza?

 

Não tive glórias: Sonhei-as,

Não há quem meça a distância

Que vai da lama às estrelas.

 

Assim, podemos traçar aqui estas considerações iniciais sobre a poesia de Waldemar Cordeiro, como um incentivo para que outros interessados se aprofundem em sua vasta obra poética e musical, contribuindo para resgatar e difundir suas criações como já faz a família editando o CD “Aquarela do Sertão” e a realização da Semana Waldemar Cordeiro”, com a declamação de poemas do mesmo por parte de alguns alunos das escolas locais na Rádio Sertânia FM.

O Terceiro “Mestre do Moxotó” é Alcides Lopes de Siqueira, “O Doutor da Poesia”, primo mais novo de Ulysses Lins. Médico, poeta, ensaísta, foi um dos fundadores do movimento armorial, juntamente com o escritor Ariano Suassuna. Além das publicações diversas, foi vencedor de vários concursos literários, sendo premiado pela Academia Brasileira de Letras e pela Federação das Academias de Letras do Brasil. O crítico e professor Evanildo Bechara nos garante que “Alcides Lopes de Siqueira nos presenteia com um punhado de jóias literárias que, pela singeleza do conteúdo e pela beleza da forma, nos deixam entrever um contemplativo apaixonado das pessoas e das coisas que o cercam, numa apoteose ao Deus supremo que criou tudo isso que ele ama e sabe referir com muita emoção e delicadeza”. No seu livro “Espelho de três faces”, vamos nos deparar com um poeta maduro e moderno, mas que cultiva também o soneto utilizando estes elementos.

Dos Sonetos de Alcides Lopes de Siqueira, que é o aspecto que vamos destacar aqui, encontramos “Poeira das ruas”, que mescla filosofia e ciência, a nos ofertar a oportunidade de reflexões profundas sobre a vida, o ser, o ter, o ego, a vaidade, a efemeridade das coisas e da vida:

 

Sobre o peso da rua ou na calçada

Às friagens da noite e ao sol ardente

Vive a poeira impiamente machucada

Sob o peso do pé de toda gente

 

Pobre da desgraçada que nem sente

Que é substância inorgânica, humilhada

A sofrer o domínio prepotente

Do orgulho da matéria organizada.

 

Orgulho vão da gente fátua. Glória

Vária e fútil da vida passageira.

Prepotência da carne transitória.

 

No futuro da vida tumular

Todo ser que hoje vive é apenas poeira

Que as outras gerações irão pisar.

 

Outro que não podemos deixar de abordar é o “Soneto do Homem feliz”, um verdadeiro clássico, que nos remete a concepção de que a felicidade está na simplicidade das coisas e dos seres, aquela que o homem do campo cultiva com sua humildade de espírito e gestos nobres:

 

Feliz quem vive nos confins da aldeia

Longe do mundo de ambições e intrigas

E sente aos pés a terra que semeia

E a vida rude enfrenta sem fadigas

 

Feliz quem planta o milho, o trigo, a aveia

E vê brotar o ouro nas espigas

E colhe o pão para fartura alheia

E assim ao mundo estende as mãos amigas

 

Feliz quem segue este elevado exemplo

Do lavrador que faz da terra um templo

E do trabalho a sua religião

 

E embora pobre, embora abandonado

Vive do fruto do trabalho honrado

E ainda divide o seu minguado pão.

 

O sentimento de partilha solidária faz com quem percebamos que ninguém é feliz plenamente no egoísmo, que o mesmo não tem limites e que, ao fim das contas, resta nele apenas um vazio imenso, fruto do isolamento.

 

Desta maneira, podemos aqui discorrer sobre a poesia dos “Mestres do Moxotó”, que são os três pilares básicos da poética deste vale fértil, “Sertão de Mil veredas”, cuja sede é a cidade de Sertânia, referendada como “República da Poesia”, Capital literária do Sertão e berço de Poetas escritores. Na Sua história vamos encontrar poetas em toda parte: Prefeito como Alcides Lopes de Siqueira, Juiz como Manuel Barros, Presidentes da Câmara de Vereadores como Bartolomeu Brasiliano e Damião Silva, Padre como Airton Freire, dentistas como Marcos Cordeiro e Chico Arruda, professores como Antônio Amaral, Policiais como Anthony Freire e Leonardo Mariano, Advogados como Paulo Mariano e Jairo Araujo, Garis como Gabriel Oscar e Cieudes Brasiliano e até Coveiro da cidade, o Poeta Márcio Queiroz. 

Em 2019 Sertânia completou dez anos como referência nacional em Literatura e leitura, com a conquista do prêmio nacional Viva a Leitura (2009), do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura. No momento que sua poesia começa a  ganhar o mundo, sobretudo com publicações dos poetas sertanienses em antologias e blogs em Lisboa, Portugal.

A “República da Poesia” oferece espaços como “Casa dos Poetas” e “Beco dos Poetas”,

O Jornal de Poesia “Cabeça de Rato”, que circula há 30 anos, eventos como a “Missa da Poesia” e a “Caminhada poética”,  além do FLIS - Festival Literário Internacional do Sertão.

Encerramos esta nossa apresentação com “Mestres do Moxotó”, poema publicado no nosso livro “Com cheiro de mar e quixabeira”, que virou letra , musicado por  nosso primo poeta e compositor Durval Brito e foi gravado pelo Cantor Luiz Wilson, que faz carreira em São Paulo (SP):

 

O Sertão do Moxotó

Tem fartura em poesia

Derrama feira de imagens

Esborrotando a bacia

Com a força do seu rio

Em noite de invernia

 

Ulysses Lins, Trovador

Das Raízes desse chão

Na seca a esperança 

do estrondo do trovão

que perfuma a caatinga

com o néctar do sertão

 

Mestre Waldemar Cordeiro

Vate do verso macio

Um boêmio serenata

por Siboney noites a fio

que ao Gênio do Lirismo

da Paixão fez desafio

 

Alcides Lopes Siqueira

O Menestrel do Sertão

Um carro de boi cantando

No seu eixo em cocão

É como se revelasse 

as coisas do coração

 

No Moxotó a influência

Desses Mestres da Poesia

Sedimenta os alicerces 

Do alpendre da magia

Em que a Casa dos Poetas

É morada da alegria

 

O  Sertão é minha pátria,

Moxotó minha raiz

Um celeiro de poetas

No qual eu vivo feliz

Se eu nutro meu juízo

Com aquilo que o peito diz.

 

Clique aqui para ler a Parte 1 deste texto.

https://www.veragora.com.br/tesaoliterario/artigo/josessandro-andrade-mestres-do-moxoto-parte-1

Clique aqui para ler a parte 2 deste texto.

https://www.veragora.com.br/tesaoliterario/artigo/josessandro-andrade-mestres-do-moxoto-parte-2

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Josessandro Andrade é um poeta e professor de Sertânia (PE). Publicou o Livro "Com Cheiro de mar e Quixabeira", (Moxotó, 2015), além de mais de dez folhetos de Literatura de cordel de sua autoria. Como Compositor, tem músicas em parceria com dezenas de compositores parceiros. Participação com poemas publicados em Várias Antologias Poéticas Internacionais, Conexões Atlânticas (Poetas brasileiros e Portugueses), vol.I (2017) e vol.II (2018) e Ecos do Nordeste (Poetas Nordestinos), ambas publicadas em Portugal, sendo que desta última foi co-organizador com Adriana Mayrinck, da INFINITA Lisboa (Assessoria Literária); e Nacionais: Festival Vamos Fazer Poesia (Serra Talhada-PE), Edições 2016, 2017 e 2018. Sempre se apresenta recitando seus poemas em manifestações de rua e nas praças públicas, em eventos do Sindicato dos trabalhadores rurais, Sindicato dos Trabalhadores em educação e passeatas da classe estudantil em sua cidade. Autor teatral com várias peças de sua autoria encenadas e premiadas, jornalista, editor de suplementos literários, professor e palestrante. No Ano em que completa 50 anos, vê sua poesia presente em vários estados do Nordeste e no exterior e vários eventos celebrando esta sua marca.

 

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