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Literatura e Teatro: tudo a ver?

Por: SIDNEY NICÉAS
Ao lançar “2 Peças para o Teatro Infanto-juvenil

Foto: Divulgação

06/02/2022
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*por Sidney Nicéas

As interseções entre o Teatro e a Literatura são muitas. Uma delas - talvez a mais exógena, mas não menos relevante - é a publicação de textos teatrais, gênero editorial pouco apreciado no país mas que, ainda assim, ocupa um nicho editorial importante, seja pela perpetuação e divulgação desses textos, seja por alimentar um gênero rico em todas as suas possibilidades criativas. É nessa esteira que será lançado na próxima quarta (09) o livro "2 Peças para o Teatro Infanto-Juvenil" (Editora Nova Presença, 2021), do escritor e dramaturgo Antônio Carlos do Espírito Santo. A obra traz os textos "As Filhas do Sol" e "Uma Festa do Barulho", ambos já encenados e que possibilitam a leitura dramatizada com crianças e adolescentes. "Interpretar personagens numa roda de conversa, vivendo seus papéis, dando vida aos seus diálogos e situações propostas pelas narrativas dramáticas, é uma oportunidade que não devemos desperdiçar", explica Antônio Carlos, ou Carlão, no texto de contracapa do livro.

Carlão sabe o que diz. Se de um lado esse exercício que ele propõe é fantástico para o desenvolvimento lúdico e criativo (em qualquer idade), doutro é receita para quem costuma criar narrativas - não são poucos os escritores que se valem de recursos teatrais para absorver e desenvolver melhor o que estão criando. Todavia, no final das contas, estamos falando de leitura, de nuanças da escrita literária, do livro enquanto parceiro da imaginação, da obra teatral enquanto literatura. “Acho que precisamos compreender melhor essa escassez de oportunidades para a publicação de peças. Compreender para agir.  A ausência de leitura de peças teatrais nas escolas, bibliotecas, livrarias é um ângulo do problema onde podemos agir. Experiências presenciais em salas de aula e um evento virtual com um clube de crianças leitoras de Curitiba me deram ânimo para fomentar esse tipo de atividade”, acentua.

Muito conhecido no meio teatral amador pernambucano, Antônio Carlos sabe que é preciso manter o tesão aceso para seguir numa luta que parece inglória, as da escrita e da dramaturgia. “Quem passou por experiências de guerrilha para exercer a arte não sabe dizer de onde vem esse tesão, que para alguns parece sem sentido e beira às vezes os limites da condição humana; mas sabe que essa estranha motivação vem junto com uma sensação de que vale a pena, de que estamos vivendo de fato. E de que sempre haverão pessoas com essa disposição de luta, com produção ou sem produção, recebendo ou não o justo salário, sendo reconhecido ou não pela platéia, estando ou não na lista dos livros mais vendidos”.

Médico sanitarista e professor universitário, Antônio Carlos conduziu sua arte em paralelo à subsistência profissional. Sua experiência fala mais alto quando instado a comentar sobre a realidade da arte e da cultura no Brasil. “Se não avançamos no ritmo que gostaríamos, para superar os atrasos que acumulamos ao longo de nossa história, estamos de pé, estamos caminhando. É preciso aprofundar essa pauta nos sindicatos, salas de aula, empresas, meios de comunicação, parlamentos, todos os espaços de discussão, formatação e implementação das políticas públicas”.

Em tempos de superficialidades extremas nos conteúdos digitais, publicar um livro impresso com textos para o Teatro infanto-juvenil, trabalhando temas relevantes, não só marca a necessidade de preservar a produção teatral, como de reforçar a necessidade de se produzir conteúdos de qualidade para quem está em formação. “Trabalho com foco numa pessoa em formação, que não pode ser exposta de forma abusiva a certos conteúdos que ainda não tem condições de entender e de decidir se deve consumir”, diz, enfático.

O LIVRO

“2 Peças para o Teatro Infanto-Juvenil“ traz, nos dois textos que o compõem, temas atuais. Em As Filhas do Sol é abordada a questão da liberdade com responsabilidade. O enredo gira em torno das dificuldades de um rei pressionado entre a responsabilidade de manter o equilíbrio do planeta Terra e os caprichos das princesas, ansiosas por autonomia na distribuição de luz e calor pelo universo. Já em Uma Festa do Barulho, destaca-se a força adquirida pelos mais frágeis mediante o uso da sabedoria e da união. Trata do estranho convite para uma baile dançante, feito por Dona Lagartixa aos insetos que habitam o jardim de um velho casarão abandonado. 

A obra terá lançamento virtual numa live internacional, mediada direto do Chile pela brasileira lá radicada Viviane Victtorin, que acontece nesta quarta (09), às 20 horas, via Google Meet (clique e acesse no dia e horário agendados).  

Enquanto o lançamento não chega, leia abaixo a íntegra da entrevista que Antônio Carlos do Espírito Santo concedeu com exclusividade ao Blog Tesão Literário. Vale demais conferir, assim como adquirir a obra pelas redes sociais do autor (veja ao final da entrevista) e constatar que, sim, a Literatura e o Teatro são parceiros imbatíveis.

 

TESÃO LITERÁRIO- O Teatro e a Literatura são áreas abraçadas por você com afinco e afeto. Como manter o Tesão aceso com tanta contramão? 

ANTÔNIO CARLOS- Homens e mulheres circulando pelas ruas do Recife, em plena madrugada, carregando pincéis e latas de cola para afixar cartazes de uma peça teatral levada em Olinda por um grupo amador ainda obscuro, chamado Colcha de Retalhos. No início dos anos 80, ainda sob o regime militar, qualquer tipo de propaganda era atividade suspeita e os policiais frequentemente nos abordavam para vistoriar o material. Dali a algumas horas, um de nós estaria de plantão num hospital, outro começaria seu trabalho no escritório de uma firma, outro daria cochilos no ônibus a caminho da faculdade e outro subiria os andaimes de uma construção. Quem passou por uma experiência desse tipo para exercer arte, não sabe dizer de onde vem esse tesão, que para alguns parece sem sentido e beira às vezes os limites da condição humana; mas sabe que essa estranha motivação vem junto com uma sensação de que vale a pena, de que estamos vivendo de fato. E de que sempre haverão pessoas com essa disposição de luta, com produção ou sem produção, recebendo ou não o justo salário, sendo reconhecido ou não pela platéia, estando ou não na lista dos livros mais vendidos.

TL- Como resolver o 'impasse' que é a cultura no Brasil? 

AC- Impasse é uma situação aparentemente sem solução favorável. Gosto de frisar o “aparentemente”, para não sermos injustos com os indivíduos e os movimentos que nos fizeram avançar de alguma forma no que diz respeito à consciência e à formação cultural. Não vejo impasse como um beco sem saídas, apesar dos retrocessos e da guerra diuturna que travamos para estender os horizontes da cultura nesse país. Há sempre grandes obstáculos a enfrentar a cada iniciativa firmada, a exemplo da instalação e funcionamento dos pontos de cultura, dos mecanismos de financiamento dos projetos culturais e da reformulação dos conteúdos ensinados nas escolas para tornar mais inclusiva a nossa formação enquanto povo. Mas se não avançamos no ritmo que gostaríamos, para superar os atrasos que acumulamos ao longo de nossa história, estamos de pé, estamos caminhando. É preciso aprofundar essa pauta nos sindicatos, salas de aula, empresas, meios de comunicação, parlamentos, todos os espaços de discussão, formatação e implementação das políticas públicas.

TL- Não temos um mercado forte no país para livros com peças teatrais - há editoras, como a Giostri, de São Paulo, dentre outras poucas, que mantêm publicações e lançamentos nessa área, mas parece que falta a cultura de ler textos pro Teatro. Como é, para você, deixar esse legado da sua produção teatral? 

AC- Entendo que as editoras, mesmo as estatais, se movimentam na direção em que o interesse da sociedade pela leitura se move. Da mesma forma que os outros segmentos da nossa combalida economia, o mercado editorial enfrenta dificuldades para se manter. No caso da edição de textos dramatúrgicos, a maioria delas tem se limitado a reeditar obras de autores clássicos. Algumas até avisam que não recebem para avaliar textos desse gênero literário. À primeira vista, a procura por textos teatrais nas livrarias estaria restrita a produtores, diretores teatrais ou professores e alunos de artes cênicas. Mas há uma outra questão a ser considerada que é a do preço do livro, no Brasil, bem acima daquele que é praticado em outros países, onde os impostos são menos leoninos ou nem existem, para esse ramo industrial. Acho que precisamos compreender melhor essa escassez de oportunidades para a publicação de peças. Compreender, para agir.  A ausência de leitura de peças teatrais nas escolas, bibliotecas, livrarias é um ângulo do problema onde podemos agir. Experiências presenciais em salas de aula e um evento virtual com um clube de crianças leitoras de Curitiba me deram ânimo para fomentar esse tipo de atividade. Assumir personagens e entrar na dinâmica da narrativa se mostram elementos bastante motivadores no trabalho com esse gênero de literatura, quando se estabelece uma adequada mediação.

TL- "Duas Peças para o Teatro Infanto-juvenil" se propõe a aproximar o teatro, através da escrita, para crianças e adolescentes. Há projeto para novas montagens cênicas desses textos - ou, ao menos, promover mediação para leitura dramatizada? 

AC- Esses textos já foram encenados em Recife há alguns anos. Uma Festa do Barulho teve direção de Rodrigo Dourado e foi apresentado no Teatro Joaquim Cardozo. As Filhas do Sol teve duas montagens, a primeira dirigida por Jô Ribeiro e a segunda por Irageu Fonseca e Edilson Reegard, ambas no Teatro do Parque. As propostas de diferentes encenadores para um mesmo texto sempre é desafiadora e acrescenta novos olhares e possibilidades para os textos. De minha parte, a possibilidade de que esses textos voltem ao palco está sempre em aberto. Este ano vou procurar parcerias com diretores, professores e bibliotecários para construir um circuito de leituras de peças com alunos de educandários. 

TL- Fala do lançamento virtual: necessário pelo momento, mas há algum ‘mas’ nessa realização on-line? Ou ela acaba sendo muito bem-vinda diante do alcance em potencial? 

AC- A ideia seria realizar o lançamento do livro 2 peças para o teatro infantojuvenil no formato híbrido, em que teríamos o encontro presencial, sendo compartilhado simultaneamente com  participantes residentes em outros estados e países. Com a nova onda da pandemia recuamos nesse projeto e optamos por realizar o evento em caráter exclusivamente virtual. A experiência tem demonstrado que as duas estratégias são adequadas a certas situações e que, dependendo da organização, se potencializam.

TL- Em tempos em que "seguir" está acima de qualquer bom conteúdo, e em que falar de pornografia dá "visibilidade", como trabalhar textos para a criançada? 

AC- Trabalho com foco numa pessoa em formação, que não pode ser exposta de forma abusiva a certos conteúdos que ainda não tem condições de entender e de decidir se deve consumir.

TL- A vida fora das redes, nos palcos, está em decadência? Como reposicionar o Teatro nestes tempos de Tik Tok e afins? 

AC- Creio que essa pergunta tem sido feita há muito tempo, cada vez que uma nova etapa da história da humanidade se encerra e tem início um outro ciclo. Mudanças na construção predial, na formatação do palco, remodelação e proposição de gêneros teatrais, introdução de tecnologias; mas o teatro enquanto arte continuou vivo e insubstituível, não apenas resistindo a inventos revolucionários como o cinema e a televisão, mas até mesmo dialogando e se beneficiando deles. Lembro Gorelik, quando dizia: o teatro é imortal, não porque ele não morra nunca, mas porque renasce sempre. E sobre o Tik Tok? É aguardar para ver a que veio.

TL- Em entrevista aqui no Tesão, o ator Alexandre Lino apontou o hibridismo na exibição das peças (presencial e online) como formato necessário ante os avanços tecnológicos. Esse também é um caminho para que o Teatro acompanhe os novos tempos?

AC- O teatro, por natureza, sempre foi uma arte híbrida. Não deveria causar maior surpresa ou espanto o fato de que as novas tecnologias e linguagens adentrassem o universo do espetáculo. Só acho que sempre deveria haver a possibilidade de curtir formatos ancestrais. Digo isto porque o que temos assistido na evolução tecnológica é que os processos são substitutivos a ponto de que, mesmo quando os sistemas entram em pane não é possível dar andamento às ações usando as soluções antigas ou “rudimentares”. Às vezes vou querer assistir por puro prazer - ou para comentar com meus netos - uma sequência daquele genial homenzinho de cartola e bengala caminhando pela rua em preto e branco. 

TL- Como você enxerga a exigência de determinado número de seguidores nas redes sociais como critério para escolha de elenco? Quando nos tornamos tão superficiais? Ou devemos nos acostumar com esse tipo de coisa, já que o mundo parece seguir firme nesse caminho? 

AC- A quantidade de acessos aos sites depende de uma lista de critérios entre os quais a questão do desempenho raramente se acha no topo. Entre os expedientes usados para aumentar essa contabilidade se acham a exploração dos atributos físicos, a explosão de escândalos baseados em informações verdadeiras ou não e até mesmo o arrebanhamento de falsos admiradores para produzir um volume elevado de insights artificiais. É impossível imaginar a escolha de um elenco competente utilizando como base esse tipo de indicador.

TL- E a presença de “atores globais” para atração de público? O que falta para termos uma maior valorização do ator local, muitas vezes com poder de atuação superior ao que está na mídia?

AC- A notabilidade ganha pelos artistas na mídia nacional sempre foi um atrativo para as plateias locais. Na época de ouro do rádio, os programas de auditório lotavam quando cantores ou atores de sucesso no sudeste do país eram anunciados. Ou quando vedetes do Rio e São Paulo vinham apresentar-se nos espetáculos de teatro de revista daqui. Importante lembrar que boa parte desses artistas foram revelados no Nordeste, passaram antes por Recife, que era um importante centro formador de talentos, para fazer depois a migração. Por aí já se vê que essa é uma questão complexa, que se arrasta ao longo não apenas de nossa história teatral. No mundo dos esportes, também cumprimos a mesma função de revelar valores para os times do eixo sul-sudeste. Imaginar que esse é apenas um fenômeno de mercado me parece uma visão simplista das coisas. Precisamos discutir em profundidade essa questão e definir estratégias para uma valorização efetiva da arte local. Ou essa choradeira será sempre recorrente.

TL- Como você se sente, enquanto artista, vivendo no Brasil?

AC- Não tenho como dizer por experiência própria porque nunca vivi da arte e sempre desenvolvi essa atividade como vivência paralela. Mas posso dizer que entre as pessoas conhecidas, incluindo as que pertencem a minha própria família, presencio uma vida de muito trabalho e de muitas incertezas quanto à subsistência. Tiro para elas o chapéu e o que mais for possível para ajudá-las. O que ainda é pouco considerando o bem que me fazem.

Para participar do lançamento do livro: https://meet.google.com/pzy-iyit-yuk 

Para adquirir o livro ou falar com o autor: https://www.instagram.com/carlaoescreve/ 

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