Quando Arraes atestou: somos uma nação verde… e amarela.
Foto: Humberto Chavez/Unsplash/Arte Tesão Literário
*por Sidney Nicéas
Era 1988 e Miguel Arraes governava Pernambuco. Meu pai, José Luiz de Oliveira Júnior, era então Superintendente do Sistema Penitenciário e via o âmbito prisional completamente distorcido da sua função de reeducar infratores da lei. Àquela época os números de detentos nem amarravam as chuteiras do quadro atual. Inquieto e ciente de que poderia contribuir para mudar esse cenário, o Dr. José Luiz criou um projeto que visava, lá na ponta, reduzir a população carcerária, investindo majoritariamente em programas educativos e culturais, com metas em longo prazo, e na melhoria da estrutura prisional. Era preciso acreditar no ser humano.
Projeto pronto, conseguiu audiência com o Governador, tendo o Secretário de Justiça Roberto Franca como aliado. O Dr. José Luiz apresentou o projeto com fervor, mostrou por A+B que investir nas pessoas com as ferramentas certas não só possibilita a recuperação de quem errou, como economiza - e muito - para os cofres do Estado. Findada a apresentação, ouviu as palavras roucas do governador: “Doutor, seu projeto é excelente, mas não dá voto. Prefiro construir mais penitenciárias”. Nem preciso dizer que meu pai pediu exoneração do cargo pouco tempo depois.
Este exemplo é aqui evidenciado para ilustrar o básico: políticos são, na maioria, ratos de voto. E ponto. Nenhuma novidade nessa afirmação, mas então como explicar a facilidade com que o povo brasileiro se deixa ludibriar?
Chegam eleições, passam eleições e nós, o povo, eu, você, não aprendemos. As técnicas de Marketing na política são infalíveis e engolem qualquer bom senso - da esmagadora maioria. Os políticos permanecem populistas, com ações meramente midiáticas e mirando votos, sempre, seja em campanha ou após eleitos; resolver os problemas do país está sempre em último plano (afirmação generalizadora, mas encontrar exceções é tarefa hercúlea). Nesse circo, o palhaço somos nós. E com a nossa devida e absurda anuência. Por que, então?
É um processo auto-alimentado: as políticas públicas não vão na raiz das questões - porque não dão votos, porque não há vontade para que o processo seja contínuo, porque privilegiam o interesse de poucos (dinheiro, sempre ele!) - e o povo não tem formação para uma de suas mais básicas funções, a de pensar - e se acostuma com a falta de boa educação, a falta de formação cultural, a falta de pensamento crítico -, e se mantêm longe do mínimo aceitável para discernir, escolher, cobrar. E isso corroendo todas as camadas sociais, todas.
Falta escola que estimule o pensamento crítico. Falta uma cultura de leitores. Faltam estímulos à cultura. Falta mais um monte de coisas, mas essa tríade Educação-Livro-Cultura forma uma raiz que, sem ela, tudo bóia na lama. E é essa lama que continua parindo sub-esgotos política adentro, e perpetuando a ausência de uma nação brasileira de verdade. Sim, somos uma nação ainda verde… e amarela. A pergunta é: até quando?
Pense nisso. Precisamos, mesmo, amadurecer. O saudoso Miguel Arraes não está mais por aqui, meu pai já está aposentado, o sistema prisional só piora - a política, idem - e nós continuamos repetindo os mesmos erros. Pense nisso.
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Sidney Nicéas é editor do Blog Tesão Literário. Escritor, tem cinco obras publicadas. Colunista de Literatura das Rádios CBN e Transamérica CNN, preside a Ideação, co-realizadora da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. É sócio-fundador da UBE Olinda (PE). Prepara dois romances para breve, um biográfico e outro de ficção. Também é Relações Públicas com MBA em Gestão de Pessoas, Pós-Graduado em Escrita Criativa e titular da própria assessoria de comunicação, a Sidney Nicéas Comunicação Integrada. Ministra oficinas e workshops de criatividade e escrita e ainda integra os projetos sociais Sertânia Sem Fome e Mundo do Lua, além de promover diversas ações que visam a inclusão social pela Literatura.
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